“Não sabíamos porra nenhuma, tivemos coragem de aprender” é uma das frases que marcam a entrevista com Deejay Telio. Dias antes do grande concerto no Coliseu, o artista explica como construiu o seu caminho para o sucesso.
Na quinta-feira 5 de março, Deejay Telio vai dar o seu primeiro grande concerto numa casa emblemática, o Coliseu dos Recreios. Este é o evento que vai medir a temperatura da inegável popularidade do produtor, cantor e compositor.
As suas primeiras memórias surgem através de uma névoa. A mãe recorda-o que nos quase quatro anos que viveu em Luanda, onde nasceu, morou no Maculusso, Kinaxixi e Coqueiros. Entretanto, a separação dos pais levou a que Portugal fosse o campo de batalha escolhido pela mãe para vencer as dificuldades da vida.
Todo o africano tem a música a circular no seu sistema nervoso desde que nasce. É um dado adquirido. Muitos saem da maternidade e são recebidos em casa com uma festa que não censura o limite de decibéis. Na infância, a música é um estado omnipresente e é aí que se começam a ouvir as primeiras melodias que vão servir de banda sonora das nossas vidas. A curiosidade, em cima dessa experiência, é o que faz despertar a alma de artista de muitos. Contudo, com Deejay Telio, além dos sembas e das kizombas que ouvia em casa, há ainda o factor genética. É filho de um DJ, Teo Monteiro.
A separação dos pais é, naturalmente, um período traumático para qualquer criança. No caso do artista em específico, ditou o tipo de relação que viria a ter com o pai. Inexistente. É uma pessoa assumidamente rancorosa e o que viu a mãe sofrer foi o suficiente para entender que preferia não manter contacto com o pai.
’’Ele tem ligação com o meu irmão, mas comigo não. Eu não quis. Antes de pensar nele, sempre pensei na minha cota. Esta cena da música não aconteceria se não tivesse vindo para a tuga, mas a dificuldade e o sofrimento que a minha mãe teve aqui na tuga sozinha também não aconteceria’’.
E essa cena da música começa depois de ter conhecido Deedz B. ’’Conheci o Deedz na minha própria casa. Eu faço anos no dia 20 de julho e o meu irmão no dia 21, então a minha mãe fazia festa dia 20 para apanhar a meia noite dele e ser logo uma festa só. O Deedz conheci-o numa dessas festas. Ele era bué tímido. Lembro-me muito bem desse dia porque a minha prima estava a estigar-lhe, ele tinha uma sweat azul do super-homem. Devíamos ter 13 ou 14 anos. O grupo deles estava no início. Ele devia ter 13 ou 14 anos.’’
A primeira vez que se juntaram num estúdio, já como membros dos Dupla M, com Angolano [Lisboa Santos, irmão de C4 Pedro], foi para gravar um beef contra os Anões Squad, do Miratejo.
’’Depois, comecei a organizar festas, umas matinés, com o Yudi Fox. Até o pessoal do Cacém ia. Assim que a festa começava, eu assumia o papel de DJ. Mas não ficava lá nem cinco minutos. Cada vez que alguém chegava eu bazava, ia ver quem era, chegavam umas miúdas e voltava a ir à porta. Ser DJ não era para mim. Queria era curtir.’’
Passado esse tempo, começou a atuar nas escolas para as eleições das associações de estudantes e começou a sentir a necessidade de arranjar um nome artístico. Surgia assim Deejay Telio.
Em 2012 fazia música apenas por gosto. Nos anos seguinte também, até chegar 2015. “Que Safoda” na rua e estava ditado o que poderia ser o início do seu sucesso enquanto artista. A família, que é o mesmo que dizer os amigos, decidiram começar todos a caminhar na mesma direção e juntarem-se para trabalhar de verdade com foco e estratégia.
“O Erickson estava a estudar em Inglaterra, curso garantido e largou tudo e veio para vir receber 50 euros por show, quando, se calhar, podia lá estar a trabalhar para receber três mil paus. A SAF é uma label de corajosos. Não sabíamos porra nenhuma, tivemos coragem de aprender, de arriscar. Hoje em dia para aprender é preciso ter coragem mas nem toda a gente tem coragem para aprender.”
Nessa aprendizagem, há uma em particular que Telio recordou durante a nossa entrevista e, apesar de ser uma recordação pesada, o sorriso enquanto relembra é inspirador. Numa altura em que o músico e o irmão andavam menos alinhados em matéria de bom comportamento, a mãe decidiu que era vital espairecer e viajou para a Alemanha, onde vivia o seu companheiro. Deixou aos filhos 60 euros. 60 euros para 60 dias. Uma lição dura, mas que serviu para desabrochar o espírito de desenrasca. O prato do dia era copiosamente atum, com um fio de azeite e cebola. Um amigo trazia “um grão”, uma garina do “coro” arranjava umas compras, e assim se safava a fome.
Quando começou a tirar um curso profissional remunerado, recebia 100 euros por mês. “30 para a minha cota, 30 para a minha filha, 20 para mim e 20 para o meu melhor amigo. Na altura ele estava a passar mal e um gajo tinha de ajudar. Entretanto, no meu primeiro show com o “Safoda” ganhei 120 euros. Caguei na escola. Eram 20 euros a mais. Pensei ‘vou ter de dar tudo de mim para poder aumentar [o valor por show], para poder fazer eventos mais vezes’’. E quando acontece, nem consegues explicar. É mágico. Alguma vez eu tinha estado em hotéis, assim com tudo pago, com miúdas a caírem por ti?” E se essa boa vida que começou a aparecer poderia ser o suficiente para alguns se desviarem do objectivo traçado, para Telio não foi bem assim. “Há uma altura em que podes fazer toda a cena má que tens para fazer, beber, fumar, mulheres, mas quando chega a hora de te focares, paras de fazer isso tudo. Tens tudo para dar errado, mas também tens tudo para dar certo, escolhe.”
É por essas experiências, que acredita que, dentro do mundo da música, poucas artimanhas conseguem passar-lhe ao lado. “Esses promotores nunca conseguem enganar quem vem do bairro. Estão a vender um sonho, mas quem vem de um bairro desconfia até de um ‘boa tarde’”.
’’Se não der certo, levantamos e tentamos de novo’’
A fama não lhe sobe à cabeça, mas sabe bem o valor que vale. ’’Não gosto de quem me ‘bate o coro’. Se me queres hoje, pagas o que eu valho hoje. Eu só quero o justo. O teu patrão, mesmo que seja teu brother, tu queres que ele pague o justo pelo trabalho que fizeste. Tu ralaste, suaste e tens bocas para alimentar. Se me pagas metade, eu pago todas as pessoas à minha volta e eu como o quê? Tenho de querer o justo.”
Essa sensatez e genuinidade que esbanja também se vê na forma como explora e “vende” o seu trabalho. Quanto ao Coliseu, sem medo, “vamos arriscar, se não der certo, levantamos e tentamos de novo. Somos grandes na mesma. De onde viemos somos poucos a ter coragem para arriscar assim”.
E é assim, com uma base humilde, e sempre com a SAF por trás, que hoje Telio está a dias de dar o seu primeiro grande concerto, numa das casas mais importantes de Portugal, o Coliseu dos Recreios em Lisboa.